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quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A análise da vida pregressa do candidato como elemento ensejador da inelegibilidade.

Resumo

A inelegibilidade como decorrência da análise desfavorável da vida pregressa de candidato. Necessidade de auto aplicabilidade do disposto pelo art. 14, §9º como meio de proteger à probidade e à moralidade no exercício da função. Mitigação da exigibilidade do trânsito em julgado da sentença condenatória criminal como causa de inelegibilidade. Não incidência do princípio da presunção de inocência na seara eleitoral. Inviabilidade da análise da vida pregressa do candidato pelo eleitorado em razão dos elementos sócio-culturais que restrigem o acesso da população às fontes de informação imparcial e clara.

Introdução

Com a aproximação de mais um pleito para escolher os ocupantes das funções do legislativo e executivo municipais, como a exemplo de todos os períodos de véspera das eleições, volta ao debate o tema sobre a vida pregressa como condição de inelegibilidade a ser analisada na fase de registro de candidatura.

A respeito deste tema, surgem importantes aspectos, como a legitimidade do Poder Judiciário para criar requisitos, ou pelo menos, normatizá-los; a interpretação constitucional do art. 14 que define os casos de inelegibilidade e, mais especificamente, a valoração entre o princípio da presunção de inocência (aqui vista sob o prisma da presunção de idoneidade) em confronto com o princípio da representação como elemento essencial do regime democrático sob o qual se constitui o Estado Brasileiro.

O presente trabalho tem por escopo analisar alguns destes prismas, iniciando pela interpretação dos dispositivos constitucionais que tratam a matéria, uma vez que, neles estão contidos os comandos essenciais sobre as inelegibilidades, bem como sobre a finalidade desse instituto.
Em seguida, tratar-se-á da questão da vida pregressa, suas repercussões, bem como sobre a possibilidade ou não desta ser analisada pelo eleitorado, considerando as condições sócio-culturais da maior parte da população.

Por fim, avaliar-se-á a aplicabilidade ou não do princípio da presunção de inocência na questão atinente às inelegibilidades.

Sem a pretensão de esgotar o tema, este estudo tem por objetivo discutir os aspectos mencionados a fim de apresentar elementos para o debate, uma vez que a existência de entendimento do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade de que sejam "criadas" condições de inelegibilidade, salvo por meio de lei complementar, apesar de respeitável, já não atende aos anseios da sociedade que assiste, a cada pleito, à eleição "em massa" de personagens conhecidos no cenário político envolvidos em escândalos de corrupção e outros crimes.

Não se trata, também de defender a possibilidade de declaração de inelegibilidade de qualquer candidato que responda a processo criminal, uma vez que, em alguns casos, o que ocorre é a utilização da ação penal como meio de perseguições políticas.

O que se pretende é a mitigação da exigência de lei complementar para definir casos de inelegibilidade quando a moralidade e a probidade na administração pública forem lesadas, visto que a produção normativa está a cargo daqueles que, em regra, se utilizam do formalismo excessivo para se manter no poder, a despeito de praticarem atos abusivos e criminosos como os hodiernamente noticiados.

Dos dispositivos constitucionais sobre inelegibilidades e suas vertentes hermenêuticas.
Inelegibilidade é o nome dado à incapacidade de ser votado, tendo em vista a vedação à candidatura do agente, é a incapacidade eleitoral passiva, que poderá ser absoluta, quando referente às condições pessoais do agente, ou relativa, quando restringir a participação deste a certos mandatos em razão de circunstâncias especiais.

Para analisar o art. 14 da Constituição, principal regra do ordenamento sobre a questão das inelegibilidades, faz-se necessário definir as regras de interpretação utilizadas, a fim de conferir ao resultado da análise o efeito desejado por aquele.

A hermenêutica é a ciência que estuda as formas de interpretação das leis. Como definido por Vicente Ráo, citado por Alexandre de Moraes,"a hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar, praticamente, esses princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam".

Dessa forma, na interpretação do texto constitucional deve-se conjugar à leitura da norma valores históricos, políticos, ideológicos, sociológicos do momento, de forma a extrair o melhor sentido, assim considerado aquele que melhor atende aos anseios sociais.

Prescreve o art. 14 da Constituição de 1988

"Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular
(...)
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.(Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)"

A partir da análise do citado dispositivo, torna-se possível constatar a preponderância do elemento teleológico para sua interpretação, visto que a norma tem uma finalidade específica, qual seja, proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, considerando, para tanto, a vida pregressa do candidato.

A partir desta forma de interpretação, torna-se possível chegar às conclusões do Ministro José Delgado em julgamento de RO 1133 - RJ, cuja ementa passa-se a transcrever:
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. INDEFERIMENTO. REGISTRO DE CANDIDATURA. EXAME DE VIDA PREGRESSA. ART. 14, § 9º, CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL. PROVIMENTO

.O art. 14, § 9º, da CF, deve ser interpretado como contendo eficácia de execução auto-aplicável com o propósito de que seja protegida a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerando-se a vida pregressa do candidato.

2.A regra posta no art. 1º, inciso I, g, da LC nº 64, de 18.05.90, não merece interpretação literal, de modo a ser aplicada sem vinculação aos propósitos da proteção à probidade administrativa e à moralidade pública.

3.A autorização constitucional para que Lei Complementar estabelecesse outros casos de inelegibilidade impõe uma condição de natureza absoluta: a de que fosse considerada a vida pregressa do candidato. Isto posto, determinou, expressamente, que candidato que tenha sua vida pregressa maculada não pode concorrer às eleições.

4.A exigência, portanto, de sentença transitada em julgado não se constitui requisito de natureza constitucional. Ela pode ser exigida em circunstâncias que não apresentam uma tempestade de fatos caracterizadores de improbidade administrativa e de que o candidato não apresenta uma vida pregressa confiável para o exercício da função pública.

5.Em se tratando de processos crimes, o ordenamento jurídico coloca à disposição do acusado o direito de trancar a ação penal por ausência de justa causa para o oferecimento da denúncia. Em se tratando de acusação de prática de ilícitos administrativos, improbidade administrativa, o fato pode ser provisoriamente afastado, no círculo de ação ordinária, por via de tutela antecipada, onde pode ser reconhecida a verossimilhança do direito alegado.

6.No entanto, no julgamento do RO nº 1.069/RJ, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, sessão de 20.9.2006, esta Corte assentou entendimento segundo o qual o pretenso candidato que detenha indícios de máculas quanto a sua idoneidade, não deve ter obstaculizado o registro de sua candidatura em razão de tal fato.

7.Desta forma, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, alinho-me a novel jurisprudência do TSE, ressalvando o meu entendimento.

8.Recurso ordinário provido. (TSE, Ac. n.° 1133, de 21.6.2006, rel. Min. José Delgado)

Portanto, vê-se que a falta de elementos formais para o estabelecimento dos casos de inelegibilidade, em razão de improbidade administrativa e imoralidade na gestão pública, não pode desconstituir a finalidade da norma, ou seja, a proteção da probidade e da moralidade administrativas no exercício da função, esta materializada com a adoção de eficácia de auto-aplicabilidade da norma constitucional.

Apenas dessa forma, ter-se-ia a consecução do objetivo da determinação constitucional de impedir que aqueles que atentem contra a moralidade ou a probidade na gestão dos bens públicos possam sequer pleitear novos cargos.

Nos dizeres de Uadi Lammêgo:

"a partir de agora a inscrição do candidato poderá sofrer impugnação caso sejam comprovadas violações ao pórtico da moralidade administrativa. Daí a exigência de sua conduta proba, íntegra, honesta e justa - atributos esses exigíveis a qualquer servidor, sob pena de violar o Estatuto dos Servidores Públicos, além de outras leis e da Própria Constituição".

Neste aspecto, outra consideração importante se faz necessário no que tange ao desempenho dos cargos na administração pública.

Os agentes políticos são servidores públicos eleitos para exercício da função, a qual é, em regra de gestão - poder executivo- e de produção normativa no poder legislativo, ou seja, atividades em que há maior discricionariedade.

Assim, em comparação aos demais servidores públicos, os quais, em regra, atuam sob o jugo da vinculação legal de seus atos, é possível concluir pela necessidade de maior exigência, no que tange à probidade e moralidade, bem como em relação aos demais requisitos para observância dos princípios da administração pública por parte dos agentes políticos, visto a margem de discricionariedade com a qual trabalham no exercício de suas funções.

A despeito dessa conclusão, o que se vê é a ocorrência da situação inversa, uma vez que, para posse em cargo não eletivo, provido por meio de concurso público de provas e títulos, é exigido do candidato que comprove sua idoneidade, sob pena de que assumir o cargo, ainda que tenha sido aprovado nas demais etapas do certame, enquanto que para concorrer a cargo público, bem como para a posse dos eleitos, basta a não existência de condenação com trânsito em julgado de sentença penal condenatória, como se o direito do candidato a concorrer ao pleito se sobrepusesse ao interesse coletivo dos cidadãos em ter, dentre os elegíveis, apenas pessoas de idoneidade comprovada.

Do conceito de vida pregressa e sua análise pelo eleitorado

O conceito de vida pregressa é um dos mais controvertidos pontos atinentes ao tema em debate. Seja em razão de seu subjetivismo, seja em virtude da inexistência de definição legal, ou ainda, em razão dos diversos interesses eleitorais ao qual se vincula, tal indefinição torna ainda mais difícil a interpretação do disposto pelo art. 14º, §9º da Constituição da República.

Destarte, no intuito de definir os limites que separam uma vida pregressa imaculada daquela marcada por elementos que inviabilizam a candidatura do agente em razão de atos atentatórios à probidade, surge a necessidade de realizar uma análise mais aprofundada do Direito Eleitoral, a partir do imperioso reconhecimento de que a forma mais adequada para extrair os elementos da norma é a interpretação sociológica do contexto de sua produção. Isto porque, neste ramo jurídico, os sujeitos que produzem a lei são os principais relacionados aos comandos.

Sob este prisma, em que pesem respeitáveis opiniões de que o arcabouço legislativo quanto às normas eleitorais é, em muitos casos, deficiente de boa técnica legislativa em razão da falta de estudos na área ou de assessoria técnica especializada, tem-se que a grande razão pela qual há textos ambíguos e sem preocupações com a preservação dos princípios constitucionais, ou ainda, a falta de normas necessárias, como a que alude o art. 14, §9º da Constituição Federal é o interesse que os membros do Poder Legislativo têm na manutenção desse sistema, a fim de que possam se beneficiar das malfadadas "brechas" pelas quais conseguem concorrer a novos mandatos ou permanecer na função para a qual se elegeram.

Não por outro motivo, não se tem a regulamentação da matéria, nem a definição legal do que seja vida pregressa, conceito este que, necessariamente, esbarra na subjetividade e, por tal razão, é meio de escusa dos candidatos envolvidos em crimes contra a Administração Pública.
No debate sobre a referida questão, é comum o entendimento de que a análise da vida pregressa do candidato deve ser feita pelo eleitor, já que este, escolhendo seu representante, seria o maior interessado em selecionar, dentre os elegíveis, um candidato com boas propostas e de idoneidade comprovada.

Entretanto, em que pese a respeitável opinião, vê-se que tal argumento não pode ser aceito se avaliarmos o atual modelo eleitoral que utilizamos.

Isto porque no sistema eleitoral brasileiro as campanhas políticas são, predominantemente, focadas na pessoa do candidato, o que torna imperioso o desenvolvimento do marketing pessoal, o qual é difundido pelos meios de comunicação que alcancem a maior parte do eleitorado.
Assim, considerando que a grande parcela da população tem, como únicas fontes de informação, o rádio e a televisão, e que tais serviços são concedidos a particulares sem a observância do processo de licitação, torna-se fácil concluir pela possibilidade das emissoras que detêm a liderança na audiência de interferir substancialmente no resultado de um pleito.

Sobre o tema, assevera Celso Bandeira de Melo:

"(...) Contudo, entre nós, quando se trata de concessão ou permissão de rádio ou televisão, tal regra é inteiramente ignorada, seguindo-se, quando muito disfarçadamente, a velha tradição do mero favoritismo. (...) Em suma: nada as rebate; nada obriga o emissor a ajustar-se a concepções do público-alvo, pois estas serão as que lhes queira inculcar. Dado que as emissões não se chocam com uma base cultural e ideológica medianamente consistente, o que só ocorreria se a população estivesse abeberada e subsidiada por outras fontes de informação ou cultura (capazes de, em sua mescla, engendrar um substrato de opinião dotado de alguma densidade), as mensagens do rádio e televisão modelam livremente o "pensamento" dos brasileiros. (...) O sucesso eleitoral de locutores, comentaristas ou "artistas" de rádio e televisão comprova o envolvente poder desses meios."

Assim, não é difícil perceber que a avaliação da vida pregressa pelo eleitor é uma ficção, se considerarmos que 13,3% da população brasileira acima dos 15 anos não é alfabetizada, que o brasileiro estuda, em média, apenas 5,7 [04]anos e que há considerável parcela social que, a despeito de constar nas estatísticas como alfabetizada, não tem acesso aos meios de comunicação escrita, dispondo, como única fonte de informação, dos chamados meios de comunicação de massa, quais sejam rádio e televisão.

A isto, some-se o fato de que grande parte do eleitorado brasileiro não se interessa pelos assuntos diretamente ligados à política, não se lembrando sequer em quem votou nas últimas eleições.

Dessa forma, tem-se que a análise da conduta ética do candidato não é realizada pelo eleitor, uma vez que este não dispõe de meios de informação crítica e imparcial, bem como porque, em regra, ele não se interessa pelos fatos relacionados aos casos de improbidade política.
Do princípio da presunção de inocência como garantia individual.

A Constituição da República prescreve que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", consagrando o princípio da presunção de inocência no art. 5º, LVII.

Destarte, tem-se que a exigência de trânsito em julgado para o cancelamento ou não deferimento do registro da candidatura não decorre do princípio constitucional da presunção de inocência, visto que este se atém à esfera penal, sendo tais medidas administrativas, sem caráter punitivo.
A intenção de proteger a moralidade e a probidade na Administração não importa em aplicar uma sanção ao réu, mas em garantir que os candidatos ao exercício do mandato sejam, comprovadamente, pessoas idôneas, o que nem sempre acontece quando o candidato responde a processo penal por crime contra a administração pública, ainda que a decisão não esteja sujeita aos efeitos da coisa julgada.

A necessidade de trânsito em julgado para que o candidato seja declarado inelegível não decorre da Constituição, uma vez que esta apenas se refere à necessidade de tutela aos princípios da Administração Pública, determinando para isso, que sejam inelegíveis aqueles que não atendam às condições de moralidade e probidade necessárias.

Ademais, o Réu em processo penal sempre conta com mecanismos processuais para trancar a ação penal (p. ex. o habeas corpus), ou mesmo para provar que a conduta não constitui crime em virtude da inexistência de algum ou alguns dos elementos do crime já em sede de antecipação de tutela, como no caso da ação sob algumas causa excludente de ilicitude.

Assim, vê-se a impropriedade de trazer para a esfera eleitoral, sobretudo no que tange à matéria eminentemente administrativa, na qual impera o interesse do Estado e de seus cidadãos como um organismo coletivo, um princípio do direito penal, consagrado na Carta Constitucional de qualquer Estado de Direito como garantia do cidadão individualmente considerado contra o abuso do Estado, detentor do jus puniendi.

Do princípio representativo e dos princípios da administração pública
Demonstrada a não incidência do direito penal na seara eleitoral no que tange às inelegibilidades, é possível concluir pela incidência dos princípios que regem o direito administrativo, sobretudo no que tange à proteção à moralidade e probidade dos candidatos, visto que estes, caso eleitos, serão os gestores da res publica.

Portanto, considerando que os agentes políticos são uma espécie do gênero agentes públicos, torna-se forçoso concluir pela submissão destes e, consequentemente, do seu regime de "investidura" aos princípios gerais da administração pública implícito ou expresso no texto constitucional, dentre os quais o da moralidade administrativa.

Segundo o professor Celso Antônio B. de Melo, de acordo com a moralidade administrativa, "a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos." [05].
Ainda segundo o referido autor, a moralidade tem como pressupostos a lealdade e a boa-fé, as quais impõem a observância da correção e sinceridade no procedimento em relação ao administrado.

A respeito do ato que atenta contra a moralidade, assevera Maria Sylvia Zanella di Pietro:
"Não é preciso penetrar na intenção do agente porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, de retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga nas despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo para indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar despesas desse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima para a coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade"

Em razão deste repúdio aos atos imorais é que se tem a fundamentação para sua proteção constitucional, seja na possibilidade de anulação do ato, de responsabilização cível de penal, seja na possibilidade de se impedir a candidatura do agente.

Dessa forma, torna-se contraditório inferir que o agente político cuja lealdade e boa-fé estejam postas em dúvida, em virtude da ocorrência de processos judiciais para apuração de crimes contra a própria administração, possa ser habilitado a disputar um cargo em que a moralidade é exigida como requisito para atuação.

Da inexistência de conflito aparente de princípios e de normas

Diante do exposto, resta demonstrado que o texto constitucional não impõe a necessidade de observância do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para que o candidato tenha o registro de sua candidatura indeferido. Ao contrário, a partir de uma análise teleológica do art. 14,§9º, tem-se a determinação de observância de todas as medidas a fim de garantir a probidade e a moralidade na Administração Pública.

Entretanto, tem-se que a Lei Complementar 64/90, a partir da exigência de trânsito em julgado de sentença condenatória impede a consecução dos princípios definidos pela Constituição, quais sejam, a proteção da moralidade e probidade administrativas.

Assim, para a resolução deste aparente conflito, torna-se necessário adequar o dispositivo da Lei Complementar à diretriz constitucional, a fim de tornar desnecessária tal exigência, conferindo ao art. 14, §9º CR/88 eficácia plena e auto executoriedade.

tanto, bastaria a mitigação da exigência de trânsito em julgado quando houver provas de improbidade ou imoralidade, ou ainda, sentença condenatória em primeira instância.
Também, não há que se falar também em conflito entre os princípios constitucionais da presunção de inocência e os que norteiam a Administração Pública, visto que o primeiro trata de garantia individual do cidadão contra o direito de punir do Estado enquanto o segundo se refere à preservação das funções do Estado dentro dos parâmetros elegidos pelo povo como necessários para tanto.
No caso em questão, considerando que a escolha dos agentes políticos é matéria relevante para a própria função do Estado, conclui-se que os princípios adotados são inerentes à própria Administração, transcendendo, assim, o aspecto individual de garantia individual.

Conclusão:

Diante do exposto neste estudo, é possível auferir as seguintes conclusões:

O artigo 14, §9º, da Constituição da República deve ser interpretado teleologicamente, a fim de que lhe seja conferida auto-aplicabilidade, como meio de garantir a tutela da probidade administrativa e da moralidade dos atos de gestão pública.

O dispositivo da Lei Complementar 64/90 que determina o trânsito em julgado de sentença penal condenatória nos crimes contra a administração pública ou de improbidade administrativa para que ocorra a inelegibilidade deve ser interpretado de forma sistemática para permitir a auto-aplicabilidade da constituição, sendo, portanto, mitigada tal exigência quando contra o candidato houver provas, ou mesmo sentença pendente de recurso que reconheça a improbidade ou a imoralidade dos atos do candidato na gestão da coisa pública.

A lesão à moralidade na gestão pública e à probidade administrativa são questões essenciais ao próprio Estado Democrático de Direito, não sendo possível, portanto, que uma de suas formas de tutela estejam limitadas ao formalismo estrito que impede a declaração de inelegibilidade de candidato que não tenha uma vida pregressa imaculada.

O eleitorado, a despeito de deter o poder de escolha de seus representantes, ainda não dispõe, em sua maioria, de condições efetivas de análise da vida pregressa do candidato, seja porque este se utiliza do poder econômico para "agradar"; seja porque as informações sobre os atos praticados pelo candidato, se anteriormente foi detentor de mandato eletivo, não são provenientes, na grande maioria, de fontes imparciais; seja pelo fato de que grande parte da população já não mais se interessa por política.

É da essência do modelo representativo que o agente eleito pelo povo exerça o poder em seu nome, como seu mandatário. Tal prerrogativa não pode ser conferida a pessoa que, no exercício desse mandato utilize a função pública para auferir benefícios particulares, ou para beneficiar a terceiros em detrimento da coletividade.

Apenas dessa forma, será possível minimizar os efeitos nocivos produzidos pelos maus políticos que se utilizam das brechas legais e de sua própria inércia para coibir os abusos na gestão pública, impedindo que estes possam permanecer no poder.

Bibliografia.
Artigos e periódicos
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02 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6ª edição. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 507.
03MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ªedição. São Paulo: Malheiros. 2006, p. 683.
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http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/tabela3.shtm (consulta dia 06/11/2007.)
05MELLO, Ceslo Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ªedição. São Paulo: Malheiros. 2006, p. 115.
06 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo. Atlas. 1991, p. 297/298

Fonte: jus navigandis

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