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segunda-feira, 1 de março de 2010

POEMAS DE UM CAMBUQUIRENSE QUE MORA LONGE.

Poema em Negro

Tio Mariano

Sou o antigo estampido

de muitas peleias, guerras;

sou pretos varando terras,

dando guapeza, mui bravos;

sou um povo que, de escravos,

passou a um luxo de El Rey;

sou a xucra e morena grei

dando sustaço em castelhano.

Sou negros da nossa Pátria,

guerreando no Paraguai;

sou o Tio Anastácio que vai

acabar solito, num corredor;

no outubro de Trinta, em dor,

porque crucificado a balaços,

do amigo Ruivo nos braços,

sou Malaquias dando o cacho.

Pero, sou o pretinho Pelado

que o bom Murguía importou;

sou a cobra ruim que matou

o guapo negrinho Benedito;

acudido por Nico, no grito,

sou preto escravo saladeiro;

mas, sou o pachola, tafuleiro,

“com cara de março aberto”.

Sou o Negrinho do Pastoreio,

dado de regalo às formigas;

sou de escravos lendas antigas;

sou chaleira preta; sou tacho;

sou um negro criado guacho;

sou um preto quase azulão;

dando corridaço na escuridão,

sou o carvão de uma fogueira.

Sou nuvem negra no céu,

tempestade prenunciando;

poncho da noite chegando,

revestindo de negro o chão;

sou uma escura aparição;

sou matungo negro sendeiro;

fumo de luto em sombreiro

e de fumo preto um crioulo.

Eu sou o arroio Negrinho

lá pelas bandas do Ijuí;

cachoeira Negra do Jacuí

e cerro Negro da Capital;

negrume não me vai mal

e sou canela-preta, escura;

amo a toda retinta criatura;

e quem vê o negro, me vê.

Sou urubus voando em rodeio

sobre um zebu una guampado;

sou um jacu todo assustado,

das matas explorando o chão;

sou anu-preto em plantação;

sou bugio negro, em mutreta;

negro pelame de onça-preta

e o chapéu da gralha-picaça.

Sou tropilha de baguais,

tordilhos negros, fachudos;

sou ginetes pretos topetudos,

pra quem doma é brincadeira;

sou golpe do Oliveira Silveira

no umbu da negra consciência;

e colho e saboreio, na Estância,

los doces frutos da Negritude.

Assim sou eu, o Rio Grande,

gente e coisas de miles matizes,

mescla buenaça nas matrizes,

variando do preto ao branco;

e ganho em brilho, no tranco,

pois, qual se dá no céu profundo,

se não hay negrume no mundo,

por igual as estrelas não tem.

Autor: José Alberto Barbosa [Sob pseudônimo de Tio Mariano], é brasileiro, advogado, promotor de justiça aposentado pelo Ministério Público de Santa Catarina.

Notas explicativas: Poema escrito de 16 a 18 de maio de 2009, em Jaraguá do Sul [SC], sob pseudônimo de Tio Mariano, para participação do Concurso “Oliveira Silveira”, quando do 53º Rodeio de Poetas Crioulos do Rio Grande do Sul, promovido de 26 a 28 de junho de 2009, pela Estância da Poesia Crioula, na Capital gaúcha, sendo classificado em 2º lugar, recebendo o autor o Troféu “Lanceiro Negro” [Esculturado em granito negro e metal, sendo de autoria de Hidalgo Adams], no dia 27 de junho de 2009, à tarde, em solenidade daquele Rodeio, em auditório da Câmara Municipal de Porto Alegre, sendo o autor, naquele ato, nomeado pelo presidente e poeta José Machado Leal, como representante da Estância da Poesia Crioula para o Estado de Santa Catarina. Concorreram poetas do Brasil, Uruguai e Argentina. Quanto à forma estrutural, o autor foi inspirado no poema “Tradição”, do famoso poeta Juca Ruivo [Dr. José Leal Filho]. Na temática, foi inspirado como segue: 1ª Estrofe: No capítulo “Os Soldados Negros de Pinto Bandeira”, in “Notícia do Rio Grande do Sul”, de Guilhermino Cesar (Org. e Intr. de Tania Franco Carvalhal) [IEL/Edit. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1994, p. 75ss]; 2ª Estrofe: 1 ) No poema Tio Anastácio”, de Jayme Caetano Braun [“50 Anos de Poesia, Martins Livreiro - Editor, Porto Alegre, 1999, p. 65]; 2 ) Quanto ao negro Malaquias Conceição, colheu elementos em narrativas do Juca Ruivo [Dr. José Leal Filho], ao autor; idem no prefácio do Dr. João Octávio Nogueira Leiria ao livro “Tradição”, de Juca Ruivo [Globo, Porto Alegre, 1957]. O autor fala dele no prefácio que fez à reedição do “Tradição” [ C.T.G. “Juca Ruivo”, Maravilha, SC, 1985]; idem em “Juca Ruivo – Tradição”, de José Isaac Pilati [IOESC, Florianópolis, 2002]; idem em “Juca Ruivo – Tradição”, de José Isaac Pilati, José Alberto Barbosa e João Batista Marçal [Fundação José Arthur Boiteux, Florianópolis, 2004]; idem em “Juca Ruivo, Poeta e Peleador”, de Juca Serrano (José Alberto Barbosa) [Jaraguá do Sul, 2008, lançado em CD-room] e nos poemas “Malaquias” e “A Morte de Malaquias”, de Juca Serrano (José Alberto Barbosa), dentre outras referências que fez a Malaquias; 3ª Estrofe: 1 ) O pretinho Pelado, sem nome civil, é referido no livro “Contos do País dos Gaúchos”, de Julián Murguía [Mercado Aberto, 3ª ed., Porto Alegre, 1995, p. 27 e SS]; 2 ) O negrinho Benedito está no “Terra Xucra”, de Manoelito de Ornellas [Sulina, Porto Alegre, 1969, p. 114-118]; 3 ) “Escravo de saladeiro” é poema de Antônio Augusto Fagundes, o “Nico” [“Canto Alegretense”, Martins Livreiro – Editor, Porto Alegre, 2002, p. 88]; 4 ) O negro pachola e tafuleiro “com cara de março aberto” é o do poema “Negro”, do Dr. João Octávio Nogueira Leiria (o Tavico), in “Campos de Areia” [Martins Livreiro – Editor, 2ª ed., Porto Alegre, 1991]; idem in Luiz Carlos Barbosa Lessa, “As Mais Belas Poesias Gauchescas” [1ª ed. do org., Porto Alegre, 1951, p. 62-63]; 4ª Estrofe: O Negrinho do Pastoreio, dentre tantos no Brasil e no Prata, é tema de poema de Athos Damasceno Ferreira [In “As Mais Belas Poesias Gauchescas”, org. por Luiz Carlos Barbosa Lessa, 1ª ed. do org., Porto Alegre, 1951, p. 27ss]; 5ª Estrofe: Fumo de luto em sombreiro: inspirado em verso do poema “Tavico”, derradeiro do Juca Ruivo, de 22.02.1972, ditado por Ruivo ao autor, em Porto União, em 12.04.1972, às vésperas da morte do ruano poeta; 6ª Estrofe: Topônimos gaúchos: foram extraídos do “Diccionario Geographico, Histórico e Estatístico do Rio Grande do Sul”, de Octavio Augusto de Faria [Globo, Porto Alegre, 2ª ed., 1914]; 7ª Estrofe: 1 ) Rodeio de urubus sobre um zebu una guampado: é do poema “Briga de Touros”, de Zeno Cardoso Nunes, conforme desenho de Amândio Bicca, reproduzido na antologia “Recorrida” [Estância da Poesia Crioula, Porto Alegre, 2004, p. 202]; 2 ) O anu-preto está na canção “Pássaros Negros”, de Antônio Augusto Fagundes, o “Nico” [“Canto Alegretense”, Martins Livreiro – Editor, Porto Alegre, 2002]; 3 ) Onça-preta: é a mesma onça-pintada (Panthera Onca), apenas que com os pelos pretos nas suas extremidades; 4 ) Chapéu da gralha-picaça, é rodela de penugem negra sobre sua cabeça, conforme o “Dicionário de Regionalismos do Sertão do Contestado”, de Fernando Tokarski [Letras Contemporâneas, Florianópolis, 2004, p. 77]; 8ª Estrofe: 1 ) Sobre pormenores desta e de outras estrofes, o autor consultou o “Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul”, dos irmãos Rui e Zeno Cardoso Nunes [Martins Livreiro – Editor, Porto Alegre, 10ª ed., 2003]; o Vocabulário Pampeano”, de Jayme Caetano Braun [Edigal, Porto Alegre, 1988]; o “Dicionário Gaúcho do Cavalo”, de Edilberto Teixeira [Martins Livreiro – Editor, Porto Alegre, 1987]; 2 ) Oliveira Ferreira Silveira propôs a instituição do “Dia Nacional da Consciência Negra”; é o patrono do 53º Rodeio de Poetas Crioulos do Rio Grande do Sul e faleceu em Porto Alegre, em 1º de janeiro de 2009; 9ª Estrofe: Variando do preto ao branco: inspirado no apelado disco de Newton, que todo piazote aprende na escola e que, para o caso, o autor o colheu no livro “Física – Ciclo Colegial”, do Irmão Mário Marciano, velho como o costume de andar para a frente [Livraria Francisco Alves, SP, 1955, p. 148-149]. O presente poema teve sua primeira publicação após o concurso, no Jornal Atuação, da Associação Catarinense do Ministério Público [Ano 3, Nº 23, Florianópolis, Agosto de 2009].

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Missão Jesuíta

Juca Serrano

Missão: não te moveram ideais utópicos e vagos

de erguer-se em ti um poderoso Império americano;

agiste tão somente pelo propósito cristão e hermano

de ver a gente docemente vivendo, em paz nos pagos.

Quem o luso cruel veio destruir, dar triste destino,

não foram bugres com tinta de guerra na cerviz,

mas índios que rezavam com fé o terço Lau Sus Chris,

cantavam suaves hinos ao som de flautas, violinos.

Quantas vezes teus povoeiros, em cristã guapaneria,

reergueram paredes e altares, torres e escadarias,

após o passar predatório das vilãs bandeiras.

Missão: não foste apenas um sonho, uma vã miragem;

das tuas igrejas, tuas ruas, brotaram a fé e a coragem

que forjaram a vida e alma da brava gente brasileira.

Autor: José Alberto Barbosa (sob pseudônimo). Advogado e promotor de justiça aposentado, com endereço à rua João Marcatto, 13 (2º and.), sala 204, Cx. Postal, 363, Centro, CEP 89251-970, Jaraguá do Sul, SC, Fones (0..47) 371-8640 (coml.) e 372-1282 (res.). Poema rascunhado em viagem, em Lawrenceville, Geórgia, E.U.A., em 24.12.04 e concluso em Jaraguá do Sul, 31.01.2005. Inédito até 2009, foi premiado com Menção Honrosa, em 24.10.2009, no Concurso Estadual “Pérola da Lagoa”, promovido pelo CEL – Centro de Escritores Lourencianos [São Lourenço do Sul, RS].

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Morreu Juca Ruivo

Juca Serrano

Abra o peito na coxilha

o guarani das Missões

e que cantando orações

o terço Lau-Sus-Cri ostente

na nobre mão farroupilha;

em choro a gente campeira,

não levada da casqueira,

mostre toda a dor que sente.

Minuano na marcha sua

cante milonga sentida;

de canto chorado a vida

traga todos nas estâncias;

qual boleadeira charrua

embarace as caminhadas

dos que vão pelas quebradas;

vá boleando as querências.

Quero-quero alvoroteiro

fique quieto nas canhadas

e nas matas assombradas

o Caapora ali se aguente;

num cantinho de terreiro

chore o Negro Pastoreio

e o seu pranto sem receio

o Lobisomem apresente.

Que se calem nas ramadas

as cordeonas mui dolentes

e as chinocas sorridentes

se recolham com respeito;

as belas prendas fornidas

os seus peões deixem de canto

e, num clamoroso pranto,

seu luto venha do peito.

Partiu o Ruivo pra outra vida...

para o Rincão merecido

que, a bom tempo prevenido,

reservou-lhe o Patrão Grande...

É o crioulo d`alma sentida

que relembrou as tradições...

Lamurie todo o Rio Grande!

A lo largo o olhem mateando

com o Tavico e o Aureliano,

ou montando animal reiúno

que Deus Pai, com muito achego,

do potreiro seu foi dando;

ou lá dando a cevadura

para o regalo da Senhora

que aos gaúchos mostra apego.

Que esse gaúcho tão largado

sempre fica pra semente

e lá no Céu já tem flete

para a grande campereada.

A preceito, bem assado,

come lá seu bom matambre;

e sendo bom guasca el hombre

ceva gostosa mateada.

Quanto a mim, boto uma olada

que, às prendas muito bonitas,

Juca ensina chimarritas;

e que, rumbeando seu pingo

para o rodeio da outra vida,

em bem ariscas tropeadas

e no rumor das arriadas

vai nosso Ruivo andarengo.

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Poema escrito em Porto União, aos 24 de outubro de 1972, logo após o autor ter tomado conhecimento da morte do amigo e afamado poeta Juca Ruivo [Dr. José Leal Filho], engenheiro, peleador em seis revoluções e fundador de cidades nas matas catarinas, dentre as quais Maravilha, onde o autor, então promotor público, o conheceu. Foi publicado primeiramente no jornal “O Comércio”[Porto União, 1972]. depois, em 1985, foi incluído pelo autor no seu ensaio intitulado “Juca Ruivo, voz campeira e culta”, posto como prefácio à primeira reedição do livro “Tradição”, de Juca Ruivo, promovida pelo C.T.G. “Juca Ruivo”, da cidade de Maravilha [SC]. Ligeiramente alterado em setembro de 1999, foi incluso no livro “Juca Ruivo – Tradição”, de José Isaac Pilati e para qual o autor cooperou larga e profundamente e onde é biografado com Ruivo [Florianópolis, IOESC, ano de 2002]; depois, foi incluso na obra de mesmo nome, “Juca Ruivo – Tradição”, escrito em co-autoria por José Isaac Pilati, José Alberto Barbosa e João Batista Marçal [Fundação José Arthur Boiteux, ano de 2004]; posteriormente foi inserto no “Recorrida”, uma Antologia da Estância da Poesia Crioula [Estância da Poesia Crioula, Porto Alegre, 2004, p. 69-70].

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Umbu velho

Juca Serrano

Talvez porque a gauchada, antigamente,

fosse uma gente iletrada e abarbarada;

ou porque, pelas lidas campeiras acossada,

não tinha o como escrever decentemente,

riscava então, por chasque, à ponta de adaga,

na casca e cerne d`algum umbu los seus recados;

e eram juras de amor, encontros arreglados,

avisos em traços fundos, que o tempo não apaga,

pois, no correr das eras, quem vai por sua trilha,

tem no arcano e lanhado umbu xucra cartilha,

que habla de amores e tormentos, dores e glórias.

Tchê, umbu de estrada de estância, umbu velho!

Tu carregas gravado, no teu rabiscado lenho,

valioso e fachudaço mundaréu de estórias!

Poema: Rascunhado em Balneário Camboriú, SC, em 25/02/2006 e tendo forma final em Jaraguá do Sul, em 13/03/2006. Foi publicado no jornal RSLetras [Porto Alegre, 2009].

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Eterno Retorno

Eliano Mirceo

Era rancho humilde, improvisado e chico,

em riba de uma ancha coxilha aboletado;

se via pastando aqui e ali pouquito gado,

à beira dum açude, à sombra dum salgueiro.

O dono, despilchado, fora outrora rico,

vindo de nobre sangue, com fino trato e gosto;

agora despacito ia, qual um pau-de-arrasto,

com pouca criação e só mixes potreiros.

E dizem que o taura, sem ter uma ermida,

na varanda reunindo a família que amava,

apelava pros santos, por seu drama clamava,

pedindo por reaver a sua sorte perdida.

Mas vendo que um filho desde piazote

se inclina ao saber, tem cambicho pro estudo,

com mui sacrifício premia o macanudo:

- Vais pra Capital, mas não afrouxes a brida!

Retorna-me um doutor! Dê pancas, rapazote!

Sem dar nome ao touro, mui depois se meteu:

- Dos filhos varões que o destino me deu,

o mais estudado vai pra campeira vida!

E dizem que o mocito, grato por tal amor,

jamais olvidara a essa tal profecia;

sempre remembrara o que o pai lhes dizia

na tarde distante, no antigo comedor.

Mas o velho gaúcho não é de dar bobeira;

ele topa a parada, ele agüenta o rojão;

ele entra na nota, ele compra mais chão;

e alarga as divisas e constrói e amplia;

ergue nova casa e galpões e mangueiras;

em campos de lei ele guarda o seu gado;

e com prego e martelo um peão do agrado

põe a placa que reza: Estância Harmonia.

Em bailes, saraus, sua gente é bem-vista,

no conselho dos grandes ele senta e é ouvido;

da mais fina seda de sua china é o vestido,

com trabalho e com fé a sorte reconquista.

Pero, no alto o ranchito derreando se via;

iam ruindo os oitões nos alicerces antigos;

um angico lhe estende os seus galhos amigos,

mas, o edifício aplastado se racha, se fende.

E morre o coitado, por não ter serventia,

lá sobre a coxilha, largado, esquecido.

Para a peonada, para o patrão alforriado,

fora o Posto Velho da Estância Grande.

E dizem que o vento nas taipas soprando

das ermas ruínas, em quieta solidão,

trazia sofridas, em triste cantochão,

só vozes tristonhas o antanho chorando.

E o simples ranchito, antes pleno de vida,

que já fora testigo de amores, de beijos,

de sonhos, idéias, projetos, desejos;

que fora a base, o suporte e o sustento

da estância maior mui distante erguida,

agora conhece, em seus prédios caídos,

nas vinhas desfeitas, nos muros tombados,

a paz mui dolorosa do seu esquecimento.

Já nem era um rancho, nem posto mais era;

com as pedras arrancadas por tortas raízes,

ficou pros nhandus, pras codornas, perdizes,

restando lá no tope só uma triste tapera.

Mas e o doutor aquele? O que foi desse moço?

Pois não é que faz fama na sua Medicina!?

Aos enfermos ele cura e mitrado ele ensina!

O Doutor Saint Pastous é campeado e festejado...

Depois vêm as guerras e, corajudo, sem alvoroço,

na Ponte do Ibirapuitã pelos feridos se desdobra;

na campanha de Trinta ele dá pancas de sobra,

chefiando o Corpo Médico sob o fogo cerrado.

E dizem que aquele baita teba gauchaço

que nos bárbaros combates heróico curava,

bem mais que o troar dos canhões escutava

as palavras do pai, como que num rebencaço.

E findam as peleias e de novo vem a paz

e, já taludo o torena, vai rebuscar na tapera,

entre oitões caídos e recobertos de hera,

pedaços lascados da infância perdida.

É o eterno retorno que esperto nos traz

o tempo, ligeiro qual lambari de sanga,

ideias mais frescas escondendo na manga

e homens de caracu que lhe topem a parada.

E Saint Pastous arremessa seus olhos certeiros,

boleando algo novo para reerguer o ranchito;

e é com brilho no olhar que então prega o grito:

- Hay aqui muitas reses! Vamos criar carneiros!

E se bem o planeja, melhor o realiza.

Da Cabaña Leleque que existir se sabia

naquela Patagônia tão distante, tão fria,

um merino ele compra, animal de mi flor

que às fêmeas fareja mesmo em flaca brisa.

E o embarca e o traz lá do Sul com cuidado;

o clima do Rio Grande o faz mais assanhado

e o carneiro aqui chega adoidado de amor.

Pois o doutor aquele dera um tiro certo,

eis que em carne e em lã se aproveita de tudo;

em seus sonhos ele vê a coxilha blanqueando,

caprichado rebanho indo por campo aberto.

E o tal patagão mostra mui bueno serviço,

pois carneirada de lei ali cresce e ali berra;

vai pastando o capim, pisoteando a terra

e, à vista do salgueiro, no açude dessedenta.

O derreado Posto Velho ganha então novo viço

e a paternal palavra se cumpre por inteiro:

o médico buenaço vira fachudo campeiro

e uma nova riqueza ali se acrescenta.

E dizem que depois, quem pegava do atalho

pras velhas ruínas, que de novo eram rancho,

topava com o doutor rindo faceiro e ancho,

sob a placa que dizia: Fazenda Posto Velho.

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Autor: José Alberto Barbosa, advogado, promotor de justiça aposentado [sob pseudônimo crioulo de Eliano Mirceo].

Poema: Escrito entre fevereiro e março de 2004, para o VIII Concurso de Poesias Crioulas “Taveira Júnior”, da Estância da Poesia Crioula, Porto Alegre [2004], sendo premiado em 5º lugar e publicado em plaqueta por aquela Academia gauchesca [Porto Alegre, 2004] da qual o autor é membro. O tema gira em torno da antiga e modesta Estância do Capivary – o ranchito do poema -, erguida com suor, sacrifícios e renúncias por Manoel Bicca de Freitas e Armanda Saint Pastous de Freitas, os pais do renomado médico, mestre, sociólogo, pecuarista, conferencista e administrador gaúcho Dr. Antônio Saint Pastous de Freitas, nascido no Alegrete em 11.02.1892 e que ganhou fama como um dos gaúchos pioneiros na criação do carneiro merino australiano, mediante inseminação artificial, gerando nova riqueza para a Fronteira Sudoeste do Rio Grande do Sul, narrando o poema em como este deu assim nova vida ao pequeno rancho, transformando-o em grande estância. O Dr. Saint Pastous, foi notável também e desde antes, por sua participação como médico em revoluções gaúchas e brasileiras [1923-1930]. Ele próprio um renomado autor era, ademais, do círculo de famosos literatos gaúchos que se reuniam em São Francisco de Assis na residência do advogado Dr. João Octávio Nogueira Leiria – o grande poeta Tavico, tradutor do Martín Fierro para o linguajar crioulo sul-rio-grandense -, e em cujas tertúlias alegres pontificaram poetas e prosadores e homens públicos renomados, tal o caso do promotor e advogado Dr. José Salgado Martins; o médico e historiador Dr. Anthero Marques; o promotor público Dr. Ruy Ramos; o Dr. A. A. Gómez del Arroyo; o Benjamin Leitão; o Tirteu Rocha Vianna; o Oneron Dorneles; o Dr. José de Figueiredo Pinto [Zeca Blau]; o médico, poeta e romancista Dr. Aureliano de Figueiredo Pinto; o Túlio Piva e, enfim, também o afamado poeta crioulo, rebelde maragato e engenheiro civil Dr. José Leal Filho [o Juca Ruivo] e em cujo escritório em São Borja também esse grupo tertuliava e com cujo vate ruano o presente autor teve intenso convívio muito posterior desde que o conheceu em Maravilha, SC [1970], até sua morte em Porto Alegre [1972], tertuliando ambos muito em Maravilha, Palmitos, outros locais e finalmente em Porto União, porém, enfim, grandes homens e dos quais muitos daqueles foram partícipes de revoluções várias e sendo que todos se incorporaram de um ou mais modos na história, na vida e na literatura do Rio Grande do Sul e, no caso de José Leal Filho [Juca Ruivo], também na história, vida e literatura catarinense, havendo inclusive desde o ano 2000 uma Cadeira com seu nome na Academia Desterrense de Letras, ocupada pelo Prof. Dr. José Isaac Pilati [Mário Castelhano nas letras crioulas] e sendo o Dr. José Leal Filho [ Juca Ruivo] homenageado em Montevidéu, com parte de seu poema Carreta fundido em cambotas do famoso monumentos La Carreta, de Belloni, letras que as intempéries apagaram. Naquelas memoráveis tertúlias literárias também se musicava com gosto e finamente. O taita Juca Ruivo era um flautista, guitarrista e gaiteiro de mãos cheias; o Túlio Piva tocava e muito bem o seu violão; e o dono da casa – o Dr. Leiria, o Dom Tavico – também era, meio que disso se recorda o literato Leopoldino Vieira Cidade -, um excelente instrumentista do bandoneon. Da mesma forma a casa do poeta Tirteu Rocha Vianna era um lugar onde muito esse grupo ou parte dele tertuliava, assim como na moradia de Ignácio Bicca de Castro, o popular Tio Bicca, onde o Juca Ruivo se hospedava nas décadas de 1930 e 1940 quando ia na cidade visitar os amigos. Eram os Bicca, aliás, parentes do Dr. Saint Pastous pelo lado materno. Dr. Saint Pastous, também homem de letras, tal foi o seu amor à terra, à agricultura e à pecuária que o célebre jornalista e político Assis Chateaubriand intitulou-o de “um Vergílio do século”, “para quem nada é mais digno do homem livre como o amanho da terra” pois, disse ele, “aquele poeta de Mântua tivera, na sua lírica, a mesma consciência humana da terra” [Em prefácio dele ao livro A Terra e o Homem, do Dr. Saint Pastous, 1963]. Os presentes versos basicamente aludem em como o rancho humilde e chico da Estância do Capivary, sito em região de campos finos no Alegrete e o qual, depois de uma fase movimentada e plena de vida, veio baixar à triste condição de um mero Posto Velho da Estância Grande, um simples ranchito da nova Estância Harmonia que o casal, já reabilitado financeiramente, erguera mais distante, chegando mesmo a tornar-se aquele só triste tapera sobre uma coxilha, por seu completo desuso, reergueu-se todavia como a nova, vigorosa e prestigiosa Fazenda Posto Velho, graças à pioneira atividade desenvolvida pelo Dr. Antônio Saint Pastous de Freitas, que primou pelo controle científico de sua produção, cumprindo-se a profecia paterna – lançada no poema - no sentido em que, dos seus filhos, justamente o que se dedicara aos estudos é que iria, paradoxalmente, tomar mais a peito a vida ruralista, palavras ditas como que a lo léo pelo seu então ainda sofrido genitor, no comedor da antiga e amada Estância do Capivary, mas à evidência a ele dirigidas. Com referência ao carneiro mencionado no poema, importado da Cabaña Leleque, na Patagônia, trata-se do de nº 1.797, de pedigree por linhagem e que entrou para a história da inseminação artificial no Rio Grande do Sul como prodigioso fornecedor de sêmen, sendo com toda razão cognominado de “O Mestre”. O poema em tais aspectos firma-se principalmente no livro do Dr. Saint Pastous intitulado A Terra e o Homem [Globo, Porto Alegre, 1963, pgs. 3ss], obra que é desenvolvimento de outra anterior, O Homem e a Terra [1953]. Quanto à participação revolucionária do Dr. Saint Pastous temos a dizer que, na arrancada gaúcha de 1923, chefiando o Corpo Médico das forças legalistas do governador Dr. Borges de Medeiros e comandadas por Flores da Cunha, aquele médico notabilizou-se, dentre outros fatos, quando do famoso Combate da Ponte do Ibirapuitã, no Alegrete, por ter conseguido permissão de Flores da Cunha, mediante argumentação decidida e firme, para atender também a rebeldes feridos, havendo salvo assim alguns maragatos aprisionados, aos quais se queria recusar tratamento clínico e hospitalar. Não obstante, muitos prisioneiros foram arrancados do hospital e degolados pelos mercenários uruguaios sob comando de Aparício Saravia e a serviço do governo gaúcho. Dias depois, porém, receberam o duro troco, sendo degolados muitos deles quando aprisionados pelos rebeldes no combate de Ponche Verde. Também o Dr. Saint Pastous, por ocasião da revolução da Aliança Liberal, em 1930, cobriu-se de glória quando, chefiando o Corpo Médico rebelde, prestou socorro e atendimento médico sob ataque dos legalistas, no Norte Velho do Paraná, tal e qual ali com ele o fez o igualmente ilustre médico e também poeta famoso Dr. Aureliano de Figueiredo Pinto. Outras referências importantes alusivas ao Dr. Saint Pastous ou a ele correlatas quanto a alguns aspectos do poema, colhidas pelo autor durante a fase redacional, lhe foram dadas pelos cultos e experientes amigos Carlos Romeu Grande [de Alegrete] e Leopoldino Vieira Cidade [de São Francisco de Assis], testemunhas agudas e indispensáveis e que vivenciaram locais, tempos e pessoas dos aqui mencionados. Relativamente ao tema do Eterno Retorno, ou Ciclo do Mundo ou ainda Ciclo Cósmico e do que no poema há pincelada visando fidelidade a Saint Pastous, porque com tal filosofia o presente autor não comunga, na sua origem trata-se de teoria cultivada pelos gregos antigos e particularmente pelos pensadores estóicos, inspirados na alternância dos dias e das noites e na sucessão dos dias, meses, anos, séculos e milênios e segundo cuja tese, após um Grande Ano, formado por muitos milhares de anos terrestres ou de qualquer modo após longuíssimo período, todas as coisas recomeçavam naturalmente e de modo semelhante ao que antes já houvera, repetindo-se tal e qual e a tal ponto que pessoas tornariam à existência, com os mesmos nomes, saberes e sentimentos e vivendo enfim iguais vidas. Dentre os que assim pensaram encontram-se os cultores do orfismo, mas também em Pitágoras, Anaximandro, Empédocles, Heráclito e, como dito, no pensar dos estóicos. Em Nemésio lemos que haverão novamente Sócrates e Platão [in De nat. hom., 38]. Pensava-se, assim, que os homens se tornavam sucessivamente heróis, deuses, guerreiros, sábios e novamente deuses, algo assim. É um mito religioso talvez muito primitivo, presente em parte, por exemplo, na mitologia da Nova Guiné e do Hawaí, sendo reelaborado pelos filósofos antigos e sendo que, nos tempos modernos, porque tal concepção era presente na morte e ressurreição cíclica dos deuses e mais divindades germânicas, o filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche [1844-1901] o ressuscitou em forma distinta. Teve intuição do tema em 1881, escrevendo então o seu O Eterno Retorno, que retoma com novos textos de 1884 a 1888 [v. Friedrich Nietzsche, Nova Cultural, 2005, p. 439/450]. Ele também o aborda em Assim falou Zaratustra [1884]. No seu livro sob o título Vontade de Poder [Wille zur Macht, 1901, § 385] ele resume esse seu pensar, afirmando que mediante a vontade, o mundo é aquilo que deve voltar eternamente, porque o devir não conhece saciedade, tédio e nem fadiga. Mas esse seu pensamento é sem base lógica, porque a vontade é um fenômeno puramente psicológico, próprio do ser vivo biológico e, como argumento, do ser sobrenatural puro [Deus, anjos] e, desse modo, à falta de vontade em razão da morte, não poderiam jamais se repetir os indivíduos [Como sustentou Mircea Eliade, o judaísmo e o cristianismo, com noção de eternidade, permanência, dispensam qualquer retorno] e os fatores e seres incapazes de vontade, como se dá com os sóis e os planetas e, nestes, os solos e as montanhas; e mesmo as rochas em si; e os mares, os lagos e os rios, bem como as plantas e enfim toda a matéria bruta e não pensante, mesmo quando viva e sensível e contudo desprovida de vontade. Não poderiam tais seres retornar à falta de capacidade volitiva; e assim também o fruto do pensamento do ser volitivo, em si mesmo, porque uma vez pensado, morre definitivamente o pensar em si, ainda que sobreviva o ser pensante. Qualquer retorno, enfim, depende não da vontade, não do ser desaparecido, mas da infinita e imortal vontade divina. Por isso a civilização e o mundo jamais tornariam sem uma determinação divina, a não ser por imitação ou seqüência do quê ou de quem antes houve; ou por mera convergência material ou psíquica e, de qualquer modo, faltaria a base física para esse eterno retorno, como dito, pelo não retorno dos seres materiais não pensantes, principalmente dentro mesmo da concepção nietzscheniana negadora do cristianismo, este sim sustentador de uma nova concepção do Eterno, em que o vir a ser se faz em sequência ad aeternum e não num ciclo de eterno retorno. Nietzsche disse que tudo passa e que tudo retorna, ao ponto de o presente e o próprio futuro já serem passado, mas isso na verdade é impossível, pois teríamos que imaginar a existência material e espiritual como uma sequência infinita de camadas tais em que todo o tempo, mesmo o futuro, já teria transcorrido e retornado à existência e, nesse caso, a própria infinitude – sem a qual poder-se-ia falar em retorno, mas não na eternidade deste – seria barreira incompatível com a retornabilidade, porque o que é infinito, na medida mesma em que o é, não cessa jamais e, não cessando, não retorna às suas origens, assim como igualmente, sendo infinito e portanto não limitado, não avança para o futuro ou para o que fora passado, porque o infinito não tem para onde progredir, visto já haver ocupado todos os espaços possíveis e impossíveis à mente humana, daí a concepção cristã da perfeição divina exigir de Deus tanto a imobilidade quanto a infinitude porque, movendo-se, será imperfeito tanto no antecedente quanto no consequente, tanto por não ter estado antes em algum lugar, quanto por deixar de o estar ali de onde teria saído. Em síntese, o futuro absoluto será sempre inalcançável, em razão do eterno progredir existencial e já por isso haverá a sua irrepetibilidade. Como argumento, se poderia parcialmente atingir certas dimensões do futuro e tanto assim que por vias proféticas se o faz e isto é, inclusive, psicológica e cientificamente sujeito a controle científico. Porém, num sistema tal em que tivessem as camadas existenciais somadas uma dimensão infinita, seria impossível haver à frente delas qualquer futuro, eis que tudo já teria transcorrido em cada porção de tais camadas e em todas elas, sob pena de comprometer-se a infinitude, que não pode sofrer limitação no tempo. Condição portanto dilemática, pois o que é infinito e eterno, na medida mesma em que o é, não está sujeito ao tempo e nem a qualquer retorno. Oswald Spengler também sustentou um eterno retorno no seu Der Untergang des Abendlandes, em 1918, porém, como observou Marnie Hughes-Warrington no seu livro 50 Grandes Pensadores da História, mesmo pouquíssimos eruditos alemães acharam valor nas suas colocações, não obstante o gosto popular pela obra [in opus cit., Editora Contexto, SP, 2002, p. 322]. O gosto popular, porém, embora valioso, não tem o condão da validação crítica no que refere à busca da verdade. E a verdade é que, no exame sincero e lógico da sequência de civilizações, nunca existiu comprovadamente um ciclo de retorno das mesmas pessoas e das mesmas culturas. No muito houve o reacender de civilizações ou fatores culturais já quase extintos e mesmo as tentativas de reprodução de culturas mortas, por outras supervenientes. O recriar de animais extintos com base em seus DNA não preencherá o eterno retorno, por tratar-se de um retorno artificial e não fruto de um ciclo. Nunca houve um ciclo de eterno retorno e, de qualquer modo, se existiu, o judaísmo e o cristianismo lhe deram fim e é isso justamente o que lemos em Mircea Eliade, filósofo romeno da religião [Bucarest, 1907] e que notabilizou-se pelo estudo desse mito, e que rebate-o, afirmando que o judaísmo, com seu conceito de que tudo é possível para Deus, e o cristianismo na sua sequência, com o seu conceito de que tudo é possível para o humano, introduziram na religião dos povos um novo conceito, o da fé criadora e capaz mesmo de remover montanhas, uma fé tão poderosa que pode intervir até na própria constituição ontológica do Universo, tornando-se o humano tão poderoso ao ponto de obter o milagre divino e dispensando e impedindo um retorno eterno das coisas, até por ingressarem tudo e todos, Universo e humanidade, numa dimensão de perenidade, sem qualquer retorno. Especialmente no cristianismo, diz ele, tal liberdade criadora ultrapassa os limites dos arquétipos e ficamos impunes, porque segundo a fé cristã não apenas tudo é possível para Deus, como no judaísmo, mas o é também para o humano, por tornar-se este enfim portador de uma filosofia que, sem excluir Deus, liberta o humano do terror da história, rompendo-se então, diz ele, o mito do ciclo do eterno retorno. Todas as demais liberdades, diz Mircea, não têm força para justificar a história, porém, com a fé cristã não é assim, sendo ela a religião do homem moderno e do tempo contínuo, aquele que libertou-se do tempo cíclico e que, a partir de então, Deus mesmo impõe ao homem cristão a que não se submeta a qualquer repetição [Le Mythe de l`éternel retour: archétypes et répétition, Librairie Gallimard, Paris, 1949, remodelado depois pelo autor; v. O Mito do Eterno Retorno, Editora Mercuryo, São Paulo, 1992, p. 136/137]. No entanto e apesar de Mircea Eliade ser muito claro nessa negação, pareceu-me sempre que alguns intelectuais o apontam como defensor de um certo eterno retorno, talvez isso por algumas das suas colocações, quando por exemplo fala da renovação da cultura, dos empreendimentos humanos. É o caso, creio, do Dr. Saint Pastous, como se depreende de seu livro A Terra e o Homem. Realmente Mircea Eliade, na sua obra referida, O Mito do Eterno Retorno, afirmou que: “Uma construção é uma nova organização do mundo e da vida. Tudo que se precisa é de um homem moderno dotado de sensibilidade menos fechada para o milagre da vida; e a experiência da renovação renasceria para ele quando construísse uma nova casa ou entrasse nela pela primeira vez” [O Mito do Eterno Retorno, tradução brasileira, Editora Mercuryo, São Paulo, 1992, p. 71]. Acho que de passagens como essa o Dr. Saint Pastous inspirou-se para o seu livro A Terra e o Homem, mas tal colocação de Mircea nada tem a ver com o mito em referência. É a negação mesma do retornismo, havendo, isto sim, aquela renovação que Saint Pastous fez na estância abandonada. O presente autor não comunga com essa filosofia de um eterno retorno, desmentida pela Geistória e depois pela História, pois num e noutro campo antes acumulam-se os progressos, tanto físicos quanto civilizatórios, antes que sucederem-se desaparecimentos e reaparecimentos dos mesmos fatos e atos, pessoas e coisas ou sequer de similares, o que nunca se viu. Nem mesmo a ressurreição de Cristo e a de Lázaro seriam fenômenos de retorno humano num ciclo permanente, mas seriam excepcionalidades dirigidas pela vontade divina. Sobre tal mito vide mais extensamente em Nicola Abbagnano [Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, SP, 2000, p. 136 ss]. O Dr. Saint Pastous, citando alguém - que não apurei quem seja - diz no seu livro: “Após a vida, a paz do esquecimento, e a imortalidade que assenta em casas e árvores, em vinhas e velhos muros”; e ele próprio afirma que “giramos em círculos concêntricos, retomando, no fim, o ponto de partida, para recomeçar um novo circuito. É a lei eterna do ritmo universal” e ainda “O tempo renova e destrói e faz renascer” [Opus cit., pgs. 4ss,7,17]. Por suas palavras, para mim é perceptível que se inspira em Eliade. Porém, a essência do pensamento deste é no sentido de afirmar que, com o judaísmo e especialmente com o cristianismo, terá sido extinta a hipótese de um retorno eternal, ingressando o Universo e os homens numa eternidade afinal. Tornando, porém, ao meu poema que homenageia Dr. Saint Pastous e família, quanto ao retorno à vida já na forma de grande estância, do que fora antes simples tapera sobre uma coxilha gaúcha, como eu narro em versos, um retorno concreto ali aconteceu, sem que se necessite todavia de apelar para um eterno vir a ser repetitivo, respeitada a posição filosófica do digno médico, se eventualmente assim o pensou. E tanto que, crendo que ele se firmou em Mircea Eliade, adotei neste poema, originalmente e apenas para fins de concurso, o apelido de Eliano Mirceo, inversão e alteração poética de prenome e sobrenome daquele renomado romeno filósofo das religiões, inspirador de tantos pensadores e sempre brilhante e sempre atual, homenageando-o aqui juntamente com o ilustre médico e pensador Dr. Antônio Saint Pastous de Freitas e os seus. Notas posteriores ao concurso, Jaraguá do Sul, SC, 21/09/2006.

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