Poema em Negro
Tio Mariano
Sou o antigo estampido
de muitas peleias, guerras;
sou pretos varando terras,
dando guapeza, mui bravos;
sou um povo que, de escravos,
passou a um luxo de El Rey;
sou a xucra e morena grei
dando sustaço em castelhano.
Sou negros da nossa Pátria,
guerreando no Paraguai;
sou o Tio Anastácio que vai
acabar solito, num corredor;
no outubro de Trinta, em dor,
porque crucificado a balaços,
do amigo Ruivo nos braços,
sou Malaquias dando o cacho.
Pero, sou o pretinho Pelado
que o bom Murguía importou;
sou a cobra ruim que matou
o guapo negrinho Benedito;
acudido por Nico, no grito,
sou preto escravo saladeiro;
mas, sou o pachola, tafuleiro,
“com cara de março aberto”.
Sou o Negrinho do Pastoreio,
dado de regalo às formigas;
sou de escravos lendas antigas;
sou chaleira preta; sou tacho;
sou um negro criado guacho;
sou um preto quase azulão;
dando corridaço na escuridão,
sou o carvão de uma fogueira.
Sou nuvem negra no céu,
tempestade prenunciando;
poncho da noite chegando,
revestindo de negro o chão;
sou uma escura aparição;
sou matungo negro sendeiro;
fumo de luto em sombreiro
e de fumo preto um crioulo.
Eu sou o arroio Negrinho
lá pelas bandas do Ijuí;
cachoeira Negra do Jacuí
e cerro Negro da Capital;
negrume não me vai mal
e sou canela-preta, escura;
amo a toda retinta criatura;
e quem vê o negro, me vê.
Sou urubus voando em rodeio
sobre um zebu una guampado;
sou um jacu todo assustado,
das matas explorando o chão;
sou anu-preto em plantação;
sou bugio negro, em mutreta;
negro pelame de onça-preta
e o chapéu da gralha-picaça.
Sou tropilha de baguais,
tordilhos negros, fachudos;
sou ginetes pretos topetudos,
pra quem doma é brincadeira;
sou golpe do Oliveira Silveira
no umbu da negra consciência;
e colho e saboreio, na Estância,
los doces frutos da Negritude.
Assim sou eu, o Rio Grande,
gente e coisas de miles matizes,
mescla buenaça nas matrizes,
variando do preto ao branco;
e ganho em brilho, no tranco,
pois, qual se dá no céu profundo,
se não hay negrume no mundo,
por igual as estrelas não tem.
Autor: José Alberto Barbosa [Sob pseudônimo de Tio Mariano], é brasileiro, advogado, promotor de justiça aposentado pelo Ministério Público de Santa Catarina.
Notas explicativas: Poema escrito de
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Missão Jesuíta
Juca Serrano
Missão: não te moveram ideais utópicos e vagos
de erguer-se em ti um poderoso Império americano;
agiste tão somente pelo propósito cristão e hermano
de ver a gente docemente vivendo, em paz nos pagos.
Quem o luso cruel veio destruir, dar triste destino,
não foram bugres com tinta de guerra na cerviz,
mas índios que rezavam com fé o terço Lau Sus Chris,
cantavam suaves hinos ao som de flautas, violinos.
Quantas vezes teus povoeiros, em cristã guapaneria,
reergueram paredes e altares, torres e escadarias,
após o passar predatório das vilãs bandeiras.
Missão: não foste apenas um sonho, uma vã miragem;
das tuas igrejas, tuas ruas, brotaram a fé e a coragem
que forjaram a vida e alma da brava gente brasileira.
Autor: José Alberto Barbosa (sob pseudônimo). Advogado e promotor de justiça aposentado, com endereço à rua João Marcatto, 13 (2º and.), sala 204, Cx. Postal, 363, Centro, CEP 89251-970, Jaraguá do Sul, SC, Fones (0..47) 371-8640 (coml.) e 372-1282 (res.). Poema rascunhado em viagem, em Lawrenceville, Geórgia, E.U.A., em 24.12.04 e concluso em Jaraguá do Sul, 31.01.2005. Inédito até 2009, foi premiado com Menção Honrosa, em 24.10.2009, no Concurso Estadual “Pérola da Lagoa”, promovido pelo CEL – Centro de Escritores Lourencianos [São Lourenço do Sul, RS].
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Morreu Juca Ruivo
Juca Serrano
Abra o peito na coxilha
o guarani das Missões
e que cantando orações
o terço Lau-Sus-Cri ostente
na nobre mão farroupilha;
em choro a gente campeira,
não levada da casqueira,
mostre toda a dor que sente.
Minuano na marcha sua
cante milonga sentida;
de canto chorado a vida
traga todos nas estâncias;
qual boleadeira charrua
embarace as caminhadas
dos que vão pelas quebradas;
vá boleando as querências.
Quero-quero alvoroteiro
fique quieto nas canhadas
e nas matas assombradas
o Caapora ali se aguente;
num cantinho de terreiro
chore o Negro Pastoreio
e o seu pranto sem receio
o Lobisomem apresente.
Que se calem nas ramadas
as cordeonas mui dolentes
e as chinocas sorridentes
se recolham com respeito;
as belas prendas fornidas
os seus peões deixem de canto
e, num clamoroso pranto,
seu luto venha do peito.
Partiu o Ruivo pra outra vida...
para o Rincão merecido
que, a bom tempo prevenido,
reservou-lhe o Patrão Grande...
É o crioulo d`alma sentida
que relembrou as tradições...
Lamurie todo o Rio Grande!
A lo largo o olhem mateando
com o Tavico e o Aureliano,
ou montando animal reiúno
que Deus Pai, com muito achego,
do potreiro seu foi dando;
ou lá dando a cevadura
para o regalo da Senhora
que aos gaúchos mostra apego.
Que esse gaúcho tão largado
sempre fica pra semente
e lá no Céu já tem flete
para a grande campereada.
A preceito, bem assado,
come lá seu bom matambre;
e sendo bom guasca el hombre
ceva gostosa mateada.
Quanto a mim, boto uma olada
que, às prendas muito bonitas,
Juca ensina chimarritas;
e que, rumbeando seu pingo
para o rodeio da outra vida,
em bem ariscas tropeadas
e no rumor das arriadas
vai nosso Ruivo andarengo.
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Poema escrito em Porto União, aos 24 de outubro de 1972, logo após o autor ter tomado conhecimento da morte do amigo e afamado poeta Juca Ruivo [Dr. José Leal Filho], engenheiro, peleador em seis revoluções e fundador de cidades nas matas catarinas, dentre as quais Maravilha, onde o autor, então promotor público, o conheceu. Foi publicado primeiramente no jornal “O Comércio”[Porto União, 1972]. depois, em 1985, foi incluído pelo autor no seu ensaio intitulado “Juca Ruivo, voz campeira e culta”, posto como prefácio à primeira reedição do livro “Tradição”, de Juca Ruivo, promovida pelo C.T.G. “Juca Ruivo”, da cidade de Maravilha [SC]. Ligeiramente alterado em setembro de 1999, foi incluso no livro “Juca Ruivo – Tradição”, de José Isaac Pilati e para qual o autor cooperou larga e profundamente e onde é biografado com Ruivo [Florianópolis, IOESC, ano de 2002]; depois, foi incluso na obra de mesmo nome, “Juca Ruivo – Tradição”, escrito em co-autoria por José Isaac Pilati, José Alberto Barbosa e João Batista Marçal [Fundação José Arthur Boiteux, ano de 2004]; posteriormente foi inserto no “Recorrida”, uma Antologia da Estância da Poesia Crioula [Estância da Poesia Crioula, Porto Alegre, 2004, p. 69-70].
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Umbu velho
Juca Serrano
Talvez porque a gauchada, antigamente,
fosse uma gente iletrada e abarbarada;
ou porque, pelas lidas campeiras acossada,
não tinha o como escrever decentemente,
riscava então, por chasque, à ponta de adaga,
na casca e cerne d`algum umbu los seus recados;
e eram juras de amor, encontros arreglados,
avisos em traços fundos, que o tempo não apaga,
pois, no correr das eras, quem vai por sua trilha,
tem no arcano e lanhado umbu xucra cartilha,
que habla de amores e tormentos, dores e glórias.
Tchê, umbu de estrada de estância, umbu velho!
Tu carregas gravado, no teu rabiscado lenho,
valioso e fachudaço mundaréu de estórias!
Poema: Rascunhado
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Eterno Retorno
Eliano Mirceo
Era rancho humilde, improvisado e chico,
em riba de uma ancha coxilha aboletado;
se via pastando aqui e ali pouquito gado,
à beira dum açude, à sombra dum salgueiro.
O dono, despilchado, fora outrora rico,
vindo de nobre sangue, com fino trato e gosto;
agora despacito ia, qual um pau-de-arrasto,
com pouca criação e só mixes potreiros.
E dizem que o taura, sem ter uma ermida,
na varanda reunindo a família que amava,
apelava pros santos, por seu drama clamava,
pedindo por reaver a sua sorte perdida.
Mas vendo que um filho desde piazote
se inclina ao saber, tem cambicho pro estudo,
com mui sacrifício premia o macanudo:
- Vais pra Capital, mas não afrouxes a brida!
Retorna-me um doutor! Dê pancas, rapazote!
Sem dar nome ao touro, mui depois se meteu:
- Dos filhos varões que o destino me deu,
o mais estudado vai pra campeira vida!
E dizem que o mocito, grato por tal amor,
jamais olvidara a essa tal profecia;
sempre remembrara o que o pai lhes dizia
na tarde distante, no antigo comedor.
Mas o velho gaúcho não é de dar bobeira;
ele topa a parada, ele agüenta o rojão;
ele entra na nota, ele compra mais chão;
e alarga as divisas e constrói e amplia;
ergue nova casa e galpões e mangueiras;
em campos de lei ele guarda o seu gado;
e com prego e martelo um peão do agrado
põe a placa que reza: Estância Harmonia.
Em bailes, saraus, sua gente é bem-vista,
no conselho dos grandes ele senta e é ouvido;
da mais fina seda de sua china é o vestido,
com trabalho e com fé a sorte reconquista.
Pero, no alto o ranchito derreando se via;
iam ruindo os oitões nos alicerces antigos;
um angico lhe estende os seus galhos amigos,
mas, o edifício aplastado se racha, se fende.
E morre o coitado, por não ter serventia,
lá sobre a coxilha, largado, esquecido.
Para a peonada, para o patrão alforriado,
fora o Posto Velho da Estância Grande.
E dizem que o vento nas taipas soprando
das ermas ruínas, em quieta solidão,
trazia sofridas, em triste cantochão,
só vozes tristonhas o antanho chorando.
E o simples ranchito, antes pleno de vida,
que já fora testigo de amores, de beijos,
de sonhos, idéias, projetos, desejos;
que fora a base, o suporte e o sustento
da estância maior mui distante erguida,
agora conhece, em seus prédios caídos,
nas vinhas desfeitas, nos muros tombados,
a paz mui dolorosa do seu esquecimento.
Já nem era um rancho, nem posto mais era;
com as pedras arrancadas por tortas raízes,
ficou pros nhandus, pras codornas, perdizes,
restando lá no tope só uma triste tapera.
Mas e o doutor aquele? O que foi desse moço?
Pois não é que faz fama na sua Medicina!?
Aos enfermos ele cura e mitrado ele ensina!
O Doutor Saint Pastous é campeado e festejado...
Depois vêm as guerras e, corajudo, sem alvoroço,
na Ponte do Ibirapuitã pelos feridos se desdobra;
na campanha de Trinta ele dá pancas de sobra,
chefiando o Corpo Médico sob o fogo cerrado.
E dizem que aquele baita teba gauchaço
que nos bárbaros combates heróico curava,
bem mais que o troar dos canhões escutava
as palavras do pai, como que num rebencaço.
E findam as peleias e de novo vem a paz
e, já taludo o torena, vai rebuscar na tapera,
entre oitões caídos e recobertos de hera,
pedaços lascados da infância perdida.
É o eterno retorno que esperto nos traz
o tempo, ligeiro qual lambari de sanga,
ideias mais frescas escondendo na manga
e homens de caracu que lhe topem a parada.
E Saint Pastous arremessa seus olhos certeiros,
boleando algo novo para reerguer o ranchito;
e é com brilho no olhar que então prega o grito:
- Hay aqui muitas reses! Vamos criar carneiros!
E se bem o planeja, melhor o realiza.
Da Cabaña Leleque que existir se sabia
naquela Patagônia tão distante, tão fria,
um merino ele compra, animal de mi flor
que às fêmeas fareja mesmo em flaca brisa.
E o embarca e o traz lá do Sul com cuidado;
o clima do Rio Grande o faz mais assanhado
e o carneiro aqui chega adoidado de amor.
Pois o doutor aquele dera um tiro certo,
eis que em carne e em lã se aproveita de tudo;
em seus sonhos ele vê a coxilha blanqueando,
caprichado rebanho indo por campo aberto.
E o tal patagão mostra mui bueno serviço,
pois carneirada de lei ali cresce e ali berra;
vai pastando o capim, pisoteando a terra
e, à vista do salgueiro, no açude dessedenta.
O derreado Posto Velho ganha então novo viço
e a paternal palavra se cumpre por inteiro:
o médico buenaço vira fachudo campeiro
e uma nova riqueza ali se acrescenta.
E dizem que depois, quem pegava do atalho
pras velhas ruínas, que de novo eram rancho,
topava com o doutor rindo faceiro e ancho,
sob a placa que dizia: Fazenda Posto Velho.
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Autor: José Alberto Barbosa, advogado, promotor de justiça aposentado [sob pseudônimo crioulo de Eliano Mirceo].
Poema: Escrito entre fevereiro e março de 2004, para o VIII Concurso de Poesias Crioulas “Taveira Júnior”, da Estância da Poesia Crioula, Porto Alegre [2004], sendo premiado em 5º lugar e publicado em plaqueta por aquela Academia gauchesca [Porto Alegre, 2004] da qual o autor é membro. O tema gira em torno da antiga e modesta Estância do Capivary – o ranchito do poema -, erguida com suor, sacrifícios e renúncias por Manoel Bicca de Freitas e Armanda Saint Pastous de Freitas, os pais do renomado médico, mestre, sociólogo, pecuarista, conferencista e administrador gaúcho Dr. Antônio Saint Pastous de Freitas, nascido no Alegrete em 11.02.1892 e que ganhou fama como um dos gaúchos pioneiros na criação do carneiro merino australiano, mediante inseminação artificial, gerando nova riqueza para a Fronteira Sudoeste do Rio Grande do Sul, narrando o poema em como este deu assim nova vida ao pequeno rancho, transformando-o em grande estância. O Dr. Saint Pastous, foi notável também e desde antes, por sua participação como médico em revoluções gaúchas e brasileiras [1923-1930]. Ele próprio um renomado autor era, ademais, do círculo de famosos literatos gaúchos que se reuniam
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